AFA: 1974 - 1977
“Nas asas e mãos dos pilotos voam a confiança e a esperança de um povo!” - Raimundo Liberato de ASSIS
O artista de letras e palavras da Turma assim escreveu num longínquo, mas nem tanto, Dia do Aviador, para companheiros que davam os primeiros passos rumo ao céu. Tempos depois, nobres e responsáveis senhores conduziam aeronaves de grande porte, transportando passageiros e carga, ou outras um pouco menores e bem mais velozes, envolvidas na defesa da Pátria.
Nem passaria pela cabeça dos cidadãos comuns que vêem estas aeronaves cortar o céu as histórias que seus pilotos protagonizaram durante a sua formação. Histórias tristes de companheiros que partiram, de outros que traçaram diferentes rumos em suas vidas, e daqueles que, depois de anos de convívio, resolveram tomar outros destinos, dedicando-se a diferentes atividades não menos importantes ou nobres.
Não vamos lembrar destas histórias que nos trazem recordações tristes, amargas e saudades de nossos “meio irmãos”. É hora de recordar as aventuras dos Cadetes na fase mais divertida de nossa formação. Dediquemos alguns minutos para recordar os momentos alegres que, com certeza, tivemos oportunidade de vivenciar na AFA, apesar de todas as dificuldades e desilusões. Deixe a tristeza de lado! Cada foto, cada palavra nos leva a viajar no tempo! Assim, quase sem perceber, um sorriso nascerá em nossos lábios.
Dito isto, vamos nos situar naquela época. Vamos imaginar a situação que atravessávamos naqueles tempos, principalmente os aviadores que constituíam a grande maioria da turma. Vamos localizar o pessoal que não teve oportunidade de compartilhar conosco aqueles momentos.
Bem, nossa turma foi a primeira (“cobaias” - mais uma vez!) a seguir direto da EPCAR para a AFA, sem passar pelo Centro de Formação de Pilotos Militares (CFPM), em Natal - RN. O CFPM, até então, havia servido como uma importante fase na formação do piloto militar, o que os aviadores da turma vieram a descobrir ao final do curso na AFA, quando, então, seguiram para fazer um estágio obrigatório de um ano por lá. Era naquele período de um ano entre a EPCAr e a AFA que os alunos tinham o primeiro contato com o avião, sendo selecionados quanto à aptidão para o vôo e, às vezes, para maridos das senhoritas locais.
Assim, chegamos na AFA junto com a Turma de 70 que vinha do CFPM. A recepção de duas turmas ao mesmo tempo foi tumultuada. Não conhecíamos boa parte deles - os PQD’s da Turma de 70 foram incorporados àquela turma no início do CFPM e, portanto, não tiveram contato anterior conosco na EPCAR, além de já terem concluído 1 ano de vida militar - eram quase “veteranos”. Enquanto isto, os PQD’s da nossa turma estavam recém chegados na AFA, incorporando-se como os mais perfeitos “bichos” no dia a dia da vida militar. A recepção dos PQD’s, após a longa viagem de alguns, do “berço” até a AFA, tinha sido regada a biscoitos com gosto de “nada” e muito refresco “colorido e doce”, comumente chamado entre os cadetes de “suco de pirulito”.
A inexperiência de boa parte dos PQD’s da turma com a vida militar levou-nos a extensos treinamentos de ordem unida que, às vezes, entravam pela noite. Os chamados “treinamentos corretivos” envolviam a todos, até que o conjunto atingisse o mínimo de proficiência na instrução militar. Mesmo assim, ainda tínhamos alguns “expoentes” que conseguiam marchar no passo errado, virar à direita ao comando de “esquerda volver”, ou mover-se no sentido contrário, mesmo com o passo certo – enquanto todas as cabeças desciam durante a marcha, a dele subia, e vice-versa.
Mas vamos ao que interessa: aulas de navegação... aulas de performance... aulas de instrução técnica do avião – um “complexo” T-23 Uirapuru, conhecido pelos cadetes como “Zarapa”, cujos instrumentos somados forneciam menos informações do que um moderno relógio de pulso. Distribuição do macacão de vôo – este é um capítulo a parte: tinha macacão azul e laranja de todos os tamanhos grandes conhecidos, desde que fosse G, L, XG, XL, XXG, XXL... mas a maioria era, sem dúvida, tamanho E (enorme). O paraíso dos gordinhos que, mesmo assim, não conseguiam preencher todos os espaços disponíveis nestes uniformes. Um bando de pirralhos vestindo macacão de vôo feito “sob medida”... para o Faustão, o rei Momo e outros acima dos 120 quilos! Ridículo! Basta ver as fotos da época e, com algumas exceções, era um desperdício de pano! E daí? Voltemos ao que interessa: o vôo!... Quase...
Mais aula... aula... aula... brifim... brifim... brifim... hora de nacele (estudo dentro do próprio avião)... cheque de olhos vendados (mostrar ao instrutor que você sabe onde estão todos os instrumentos e interruptores do avião de olhos fechados)... distribuição do equipamento de vôo... E o grande dia chegou! Vamos lá!
Na AFA, as aeronaves de instrução ficavam estacionadas lado a lado num enorme pátio, de tal forma que, nos primeiros vôos do dia, com quase todas estacionadas aguardando os seus pilotos (Instrutor e Cadete) era um pouco mais difícil encontrar aquela na qual iríamos voar.
Resumidamente, a seqüência diária era mais ou menos assim: Chegávamos nos hangares divididos em esquadrilhas; era realizada uma formatura; daí entrávamos nas respectivas salas para assistir a um brifim geral, no qual era divulgada a escala de vôo: INSTRUTOR - CADETE - NÚMERO DO AVIÃO.
Apresentávamo-nos ao Instrutor logo após o brifim geral para outro, específico, sobre a missão que iríamos realizar e, após, enquanto o Instrutor tratava de outros assuntos correlatos, éramos orientados para apanhar nosso equipamento de vôo e ir fazendo a inspeção externa da aeronave na qual iríamos voar, sentar na mesma, nos amarrar nos assentos e aguardar a chegada do instrutor.
Aí morava o perigo! Um bando de cadetes a solta, sozinhos, no meio de um pátio cheio de aeronaves iguais não podia dar boa coisa e quase sempre surgia uma boa e nova história, isto sim! Quem não se lembra? É só dar um tempo nas reuniões da Turma para que as histórias comecem a ser contadas, cada uma mais hilariante do que a outra, lembrando o que acontecia no chão ou no ar.O que vale não é o fato, mas a “versão” de quem conta.
Mas voltando à história principal... o Cadete, ao iniciar a atividade aérea, passa por uma forte preparação que envolve aulas teóricas dos diversos sistemas do avião, provas sobre os procedimentos normais e de emergência e vôos acompanhados pelo Instrutor. Ao conseguir voar sozinho, ou seja, ao realizar seu primeiro vôo "solo", o mesmo é recebido pelos colegas que formam um corredor "polonês" que termina no "Lago do Lachê", onde acontece o "Banho do Lachê" e a confraternização. É um momento especial na vida do Cadete Aviador e um dos mais significativos de toda a sua carreira.
Na nossa turma, os dois primeiros a “lavarem a alma” neste tradicional e almejado banho foram o Passos e o Ingolotti. Depois deles, um a um, ou em grupo, ao ultrapassar mais este degrau da carreira de aviador militar, enfrentávamos com orgulho e alegria o banho, muitas vezes acompanhados pela água proveniente dos caminhões de bombeiro da AFA, logo após o vôo.
Além do vôo, o fato marcante do primeiro ano de Academia foi, sem dúvida, a entrega dos Espadins aos novos Cadetes, que é tradicionalmente realizada em 10 de julho, data em que se comemora o aniversário da própria Academia da Força Aérea. O Espadim é o símbolo do Cadete e representa sua primeira conquista na caminhada para o oficialato. Sua entrega segue um ritual específico que é procedido após a conclusão do Estágio de Adaptação Básico. Ao recebê-lo, o Cadete encontra-se plenamente adaptado à vida acadêmica.
Bem, se a tônica do primeiro ano na AFA foi o vôo, no segundo e terceiro a história foi outra, bem diferente: “Cêpa”!! Muita “Cêpa”!! A dedicação ao estudo tinha que ser total e muita gente virava a noite se preparando para as provas. Mas, como sempre, a nossa Turma manteve a alegria.
Em 1975 chegou ao fim a Guerra do Vietnam e foi fundada a Microsoft. Em julho, foi realizado em Caracas, Venezuela, o VI Congresso Desportivo Sul-Americano de Cadetes sendo a AFA representada, dentre outros, por dois Cadetes da nossa Turma.
Quando o ano letivo se iniciou, em março de 1976, a Academia tinha um novo Comandante, assim como novos Comandantes do Corpo de Cadetes e do Grupo de Instrução Aérea. Neste ano, a cerimônia de encerramento do Campeonato Interno do Corpo de Cadetes foi suspensa, em virtude do falecimento do Major Aviador Jair Ferguson em um acidente automobilístico.
Em setembro de 1976 foi realizada no Campo dos Afonsos, Rio de Janeiro, a XII NAVAMAER – competição esportiva anual entre os Aspirantes da Escola Naval e os Cadetes da AMAN e da AFA. Durante as competições destacaram-se os primeiros lugares obtidos na prova de 100m de nado de peito (novo recorde da NAVAMAER), e 200m de nado medley por um Cadete da nossa Turma e a equipe de esgrima - espada, composta por outros dois cadetes da nossa Turma. Outro aspecto marcante do ano de 1976, foi a inauguração do Clube de Vôo a Vela, com um acervo de dez planadores TZ-13, dois rebocadores Ipanema e um moto-planador, para uso dos Cadetes. A nota triste do ano foi o falecimento, no final de outubro, do Cadete Leão, companheiro desde a EPCAR, em um trágico acidente automobilístico.
O quarto ano da AFA foi ansiosamente aguardado, afinal, era quando voltaríamos a nos dedicar ao vôo. Melhor ainda, o vôo a jato! Era a hora de nos engajarmos no estudo do T-37C, uma aeronave bi-reatora que sonhávamos em voar. Infelizmente para muitos da Turma este sonho se tornou um pesadelo. Passamos muito tempo, desde o primeiro ano, sem voar e saímos do T-23, uma aeronave relativamente simples, para o T-37, que exigia muito mais dos pilotos. Além disso, tinha o tal “número mágico padrão” de formandos por ano a ser atingido. Daí, os desligamentos passaram a ocorrer por “atacado”, arrancando do nosso convívio excepcionais companheiros, muitos dos quais acabaram por concluir o curso de outras especialidades nos anos posteriores, a convite da própria FAB. Em suma, a nossa Turma acabou atingindo um lamentável recorde histórico de desligamentos no quarto ano. Para se ter uma idéia, do meio do segundo semestre em diante a AFA perdeu o controle de faltas da Turma, assim, ia para a aula quem queria.
Dos 316 (301 aviadores e 15 intendentes) que ingressaram no primeiro ano da AFA em 1974, apenas 113 (90 aviadores e 23 intendentes) concluíram o curso. Ou seja, cerca de 65% da turma não concluiu o curso em 1977 por diversos motivos, mas a maioria, com certeza, foi desligada em vôo no último ano do curso. Vamos deixar esta conversa de lado. O tempo do T-37C, certamente, lembra de outras histórias mais interessantes e alegres que podem ser compartilhadas em reuniões e encontros. Foi em 1977, por exemplo, que foi consolidada a denominação “Turma Maracujá” e que foram lançadas as bases para a formação do “Grêmio Recreativo e Escola de Samba Unidos do Jordão – GRESUJO”.
O GRESUJO acabou se tornando uma válvula de escape para turma que vivia sob tensão e começaram a ser promovidos encontros do grupo, essencialmente no Rio de Janeiro, tendo em vista que a maioria da Turma era nascida nesta cidade. Lembro de um em Paquetá, numa casa cedida pela família do Luiz Cláudio, com direito a observação de dois “golfinhos” da Turma Maracujá que nadavam no porto, ao lado da barca Paquetá – Rio que levava o pessoal que havia participado do encontro para o Rio; e outro em uma casa em Pedra de Guaratiba. Um pequeno grupo de uns sete ou oito companheiros do GRESUJO chegou a passar um final de semana prolongado em Lambari - MG tornando-se a sensação local no samba e no futebol. Até hoje o grupo ainda é lembrado pelo pessoal que freqüenta o condomínio que ficaram hospedados. O estandarte do GRESUJO, desenhado pelo Vinícius, se perdeu. Nem foto conseguimos recuperar, mas a alegria sempre esteve presente em todos os encontros e pedura até hoje, mesmo que sem a referência àquele grupo.
Bem, o ano chegava ao final, e também o curso iniciado há 4 anos. Em 12 de dezembro de 1977, na presença do Presidente da República, Ernesto Geisel, e altas autoridades civis e militares, realizou-se a solenidade máxima da Academia da Força Aérea: a “Declaração de Aspirantes”. Na cerimônia os formandos entregam o espadim, símbolo do Cadete, e recebem a espada, que representa o oficialato.
Em sua ordem do dia, o Comandante da AFA resumiu a jornada percorrida e o futuro que aguardava os novos Aspirantes da Turma “Ministro Joaquim Pedro Salgado Filho”, mais conhecida como Turma Maracujá: “Chegais, hoje, ao fim de uma etapa da vossa carreira que, na verdade, se constitui em início de uma nova fase de vossa vida. Durante sete anos, desde que ingressastes na Escola Preparatória de Cadetes do Ar, sonhastes com este dia. Certamente, em muitas ocasiões sentistes vossas forças diminuírem e fostes tentados a vos entregar ao desânimo. O ideal, no entanto, que esteve sempre presente em vossos corações, vos deu a força indispensável para que chegásseis até aqui. Colheis os resultados da vossa obstinação e esforço, evidenciando, também, que estais preparados para enfrentar os sacrifícios que a vida militar impõe.”